Aymmar Rodriguéz & Raimundo de Moraes
HETERÓNIMO
"Nome fictício adoptado por um autor na assinatura de uma obra, como no caso do bardo Ossian, figura literária criada pelo poeta escocês MacPherson (1736-1796), com uma personalidade própria e uma obra que o distingue do próprio criador, cujos trabalhos se dizem ortónimos (do próprio autor), por oposição. Não deve ser confundido com pseudónimo ou nome falso, distinção que o mais célebre criador de heterónimos, Fernando Pessoa, fez questão de estabelecer com rigor: "A obra pseudónima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterónima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu" (Tábua Bibliográfica, Presença, nº 17, ). "
Esta é uma das melhores definições sobre heteronímia publicadas na web. Consta no E-dicionário de Termos Literários, do doutor em Letras Carlos Ceia, da Universidade Nova de Lisboa.
Como vemos, Fernando Pessoa não foi o pioneiro, mas graças a ele, esse intrigante aspecto da criação literária ganhou contornos ora metafísicos, ora drama personae, recorrente na dramaturgia.
Toda essa mágica estrutura filosófica-literária construída por Pessoa foi importante para que definitivamente fosse separada (e explicada) a ideia do que é um heterônimo e do que é um pseudônimo. Hoje é inconcebível imaginar a obra de FP sem seus “outros eus”. Foram eles que deram um destaque internacional à poesia escrita em língua portuguesa, que estava estagnada desde Camões.
Mas a expressão heterônimo, com o avançar da psicanálise no século XX, foi gradativamente sendo substituída por “alter ego” – numa grande abrangência, que não engloba não só a literatura, mas personagens de uma maneira geral. Assim, Zorro é o alter ego de Dom Diego, Superman é o alter ego de Clark Kent e (!) Emília, dizem, seria o alter ego de Monteiro Lobato.
A literatura brasileira, aliás, tem poucos exemplos de heterônimos ou alter egos plenamente definidos. Podemos citar que Isaías Caminha seria o “outro” de Lima Barreto, Edélsio Tavares o “outro” de Ivan Lessa (jornalista e ex-colaborador do Pasquim), Rufos – provavelmente – é o “outro” de Rubem Fonseca e o escritor Rodrigo S. M., com sua escritura forte e viril, é o alter ego de Clarice Lispector em A Hora da Estrela. Na poesia, o exemplo mais digno de nota – pela qualidade da obra e pela inversão do gênero masculino/ feminino – temos a Sóror Katharina, alter ego de Bruno Tolentino.
Aymmar Rodriguéz surgiu nos idos da década de 1980 tão logo eu encerrava minha curta participação no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco – o maior movimento literário do final do século 20, em Recife. Quando eu “recebi” um texto chamado Inclusive cenouras – encenado no Bar Abraxas, em Olinda – eu pensei: tem coelho nessa moita. Ou melhor: tem algo estranho aí.
O estilo ácido e debochado de Aymmar Rodriguéz veio numa grande avalanche, canalizada principalmente por happenings nos bares olindenses – não me perguntem detalhes, acho que determinados excessos foram sumariamente deletados da minha mente – e na coluna de Paulo Azevedo Chaves, que então assinava no jornal Diario de Pernambuco um concorrido e importante espaço de divulgação de artistas plásticos e escritores, do Recife e outras cidades. Mas pelos palavrões e pela temática usualmente homoerótica, muitos dos poemas foram censurados pela editoria do jornal. Vieram a público os textos mais palatáveis e menos polêmicos.
Assim como surgiu, Aymmar aparentemente eclipsou-se. Alguns anos mais tarde fui morar fora do país, e este poeta nunca mais deu o ar da sua graça. Foram mais de 10 anos sem escrever uma linha sequer.
Em 2006, revendo rascunhos e fundos de gaveta, reencontrei coisas esquecidas. O que animou-me (não tanto) a testar o que para mim era mofado e ultrapassado. Comecei a participar de concursos literários. E para minha surpresa, então, o poema Teresa em êxtase, escrito por Aymmar Rodriguéz na década de 80, ganhou o primeiro lugar no Concurso Off-Flip de Literatura, em 2008, categoria Nacional e Exterior. Pouco tempo depois, o mesmo poema foi inserido na revista on-line Rascunho, no selecto grupo de textos escolhidos.
"Nome fictício adoptado por um autor na assinatura de uma obra, como no caso do bardo Ossian, figura literária criada pelo poeta escocês MacPherson (1736-1796), com uma personalidade própria e uma obra que o distingue do próprio criador, cujos trabalhos se dizem ortónimos (do próprio autor), por oposição. Não deve ser confundido com pseudónimo ou nome falso, distinção que o mais célebre criador de heterónimos, Fernando Pessoa, fez questão de estabelecer com rigor: "A obra pseudónima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterónima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu" (Tábua Bibliográfica, Presença, nº 17, ). "
Esta é uma das melhores definições sobre heteronímia publicadas na web. Consta no E-dicionário de Termos Literários, do doutor em Letras Carlos Ceia, da Universidade Nova de Lisboa.
Como vemos, Fernando Pessoa não foi o pioneiro, mas graças a ele, esse intrigante aspecto da criação literária ganhou contornos ora metafísicos, ora drama personae, recorrente na dramaturgia.
Toda essa mágica estrutura filosófica-literária construída por Pessoa foi importante para que definitivamente fosse separada (e explicada) a ideia do que é um heterônimo e do que é um pseudônimo. Hoje é inconcebível imaginar a obra de FP sem seus “outros eus”. Foram eles que deram um destaque internacional à poesia escrita em língua portuguesa, que estava estagnada desde Camões.
Mas a expressão heterônimo, com o avançar da psicanálise no século XX, foi gradativamente sendo substituída por “alter ego” – numa grande abrangência, que não engloba não só a literatura, mas personagens de uma maneira geral. Assim, Zorro é o alter ego de Dom Diego, Superman é o alter ego de Clark Kent e (!) Emília, dizem, seria o alter ego de Monteiro Lobato.
A literatura brasileira, aliás, tem poucos exemplos de heterônimos ou alter egos plenamente definidos. Podemos citar que Isaías Caminha seria o “outro” de Lima Barreto, Edélsio Tavares o “outro” de Ivan Lessa (jornalista e ex-colaborador do Pasquim), Rufos – provavelmente – é o “outro” de Rubem Fonseca e o escritor Rodrigo S. M., com sua escritura forte e viril, é o alter ego de Clarice Lispector em A Hora da Estrela. Na poesia, o exemplo mais digno de nota – pela qualidade da obra e pela inversão do gênero masculino/ feminino – temos a Sóror Katharina, alter ego de Bruno Tolentino.
Aymmar Rodriguéz surgiu nos idos da década de 1980 tão logo eu encerrava minha curta participação no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco – o maior movimento literário do final do século 20, em Recife. Quando eu “recebi” um texto chamado Inclusive cenouras – encenado no Bar Abraxas, em Olinda – eu pensei: tem coelho nessa moita. Ou melhor: tem algo estranho aí.
O estilo ácido e debochado de Aymmar Rodriguéz veio numa grande avalanche, canalizada principalmente por happenings nos bares olindenses – não me perguntem detalhes, acho que determinados excessos foram sumariamente deletados da minha mente – e na coluna de Paulo Azevedo Chaves, que então assinava no jornal Diario de Pernambuco um concorrido e importante espaço de divulgação de artistas plásticos e escritores, do Recife e outras cidades. Mas pelos palavrões e pela temática usualmente homoerótica, muitos dos poemas foram censurados pela editoria do jornal. Vieram a público os textos mais palatáveis e menos polêmicos.
Assim como surgiu, Aymmar aparentemente eclipsou-se. Alguns anos mais tarde fui morar fora do país, e este poeta nunca mais deu o ar da sua graça. Foram mais de 10 anos sem escrever uma linha sequer.
Em 2006, revendo rascunhos e fundos de gaveta, reencontrei coisas esquecidas. O que animou-me (não tanto) a testar o que para mim era mofado e ultrapassado. Comecei a participar de concursos literários. E para minha surpresa, então, o poema Teresa em êxtase, escrito por Aymmar Rodriguéz na década de 80, ganhou o primeiro lugar no Concurso Off-Flip de Literatura, em 2008, categoria Nacional e Exterior. Pouco tempo depois, o mesmo poema foi inserido na revista on-line Rascunho, no selecto grupo de textos escolhidos.